Qual o risco em retornar às corridas dois meses após a reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA)?

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Este texto foi escrito pelo Dr. Saulo Castro, especialista em joelho, trazendo informações importantes e atualizadas sobre cirurgia de reconstrução de ligamento cruzado anterior (LCA).

O início de treinos de corrida por um atleta de futebol apenas dois meses após a reconstrução do ligamento cruzado anterior (LCA) envolve riscos significativos, amplamente documentados na literatura médica recente. O principal risco é o aumento substancial da chance de nova lesão do LCA, seja no enxerto operado (re-ruptura) ou no ligamento contralateral. Estudos prospectivos e revisões sistemáticas demonstram que o retorno precoce a atividades esportivas de impacto, especialmente antes de 8-9 meses após a cirurgia, está associado a um risco até sete vezes maior de nova lesão do LCA em comparação com atletas que aguardam períodos mais longos para retornar ao esporte.[1][2]

Além do risco de relesão ligamentar, há evidências de que o joelho reconstruído apresenta déficits funcionais persistentes, mesmo após a liberação para retorno ao esporte, incluindo assimetrias de força do quadríceps, menor ângulo de flexão do joelho durante a corrida, menor momento de extensão do joelho e alterações cinemáticas e cinéticas que não se resolvem espontaneamente com o tempo.[3][4] Esses déficits biomecânicos podem comprometer a absorção de impacto e a estabilidade articular, aumentando o risco de lesões secundárias, tanto ligamentares quanto meniscais e condrais.

No contexto específico do futebol, que exige mudanças rápidas de direção, desacelerações e saltos, a sobrecarga sobre o enxerto e as estruturas articulares é ainda maior. A literatura também aponta que, mesmo após 6-9 anos da reconstrução, jogadores de futebol mantêm risco elevado de novas lesões e apresentam níveis de função e satisfação inferiores aos controles sem lesão prévia.[5]

Outro aspecto relevante é a qualidade da cartilagem articular no pós-operatório. Estudos com ressonância magnética mostram que, até seis meses após a reconstrução, a cartilagem do joelho operado apresenta sinais de menor qualidade e menor resiliência biomecânica, com recuperação retardada após esforços como a corrida. O retorno precoce à corrida pode, portanto, contribuir para a progressão de alterações degenerativas e desenvolvimento precoce de osteoartrite.[6]

Por fim, critérios objetivos de força muscular, especialmente do quadríceps, são preditores importantes para o retorno seguro à corrida. A literatura sugere que, mesmo aos quatro meses, muitos pacientes ainda não atingem índices adequados de simetria de força, sendo recomendado um índice de simetria do quadríceps de pelo menos 65% para considerar o retorno à corrida, o que dificilmente é atingido em apenas dois meses de pós-operatório.[7]

Em resumo, iniciar treinos de corrida dois meses após a reconstrução do LCA em atletas de futebol expõe o paciente a riscos elevados de relesão ligamentar, déficits funcionais persistentes, sobrecarga articular e potencial aceleração de degeneração condral, não sendo recomendado pela literatura atual.[1][6][3][4][5][7][2]

Saiba mais em: Lesão do Ligamento Cruzado Anterior

Referencial Teórico:
1. Young Athletes Who Return to Sport Before 9 Months After Anterior Cruciate Ligament Reconstruction Have a Rate of New Injury 7 Times That of Those Who Delay Return. Beischer S, Gustavsson L, Senorski EH, et al. The Journal of Orthopaedic and Sports Physical Therapy. 2020;50(2):83-90. doi:10.2519/jospt.2020.9071.
2. Predicting Anterior Cruciate Ligament Reinjury From Return-to-Activity Assessments at 6 Months Postsurgery: A Prospective Cohort Study. Bodkin SG, Hertel J, Diduch DR, et al. Journal of Athletic Training. 2022;57(4):325-333. doi:10.4085/1062-6050-0407.20.
3. Running Biomechanics in Individuals With Anterior Cruciate Ligament Reconstruction: A Systematic Review. Pairot-de-Fontenay B, Willy RW, Elias ARC, et al. Sports Medicine (Auckland, N.Z.). 2019;49(9):1411-1424. doi:10.1007/s40279-019-01120-x.
4. Athletes Continue to Show Functional Performance Deficits at Return to Sport After Anterior Cruciate Ligament Reconstruction: A Systematic Review. Gill VS, Tummala SV, Han W, et al. Arthroscopy : The Journal of Arthroscopic & Related Surgery : Official Publication of the Arthroscopy Association of North America and the International Arthroscopy Association. 2024;40(8):2309-2321.e2. doi:10.1016/j.arthro.2023.12.033.
5. High Risk of New Knee Injuries, Lower Activity Level and Reduced Knee Function: A Controlled Follow-Up of Male Football (Soccer) Players 6-9 years After Primary Anterior Cruciate Ligament Reconstruction. Fältström A, Kvist J, Hägglund M. Journal of Science and Medicine in Sport. 2025;:S1440-2440(25)00097-0. doi:10.1016/j.jsams.2025.03.016.
6. Cartilage Status in Relation to Return to Sports After Anterior Cruciate Ligament Reconstruction. Van Ginckel A, Verdonk P, Victor J, Witvrouw E. The American Journal of Sports Medicine. 2013;41(3):550-9. doi:10.1177/0363546512473568.
7. Relevant Strength Parameters to Allow Return to Running After Primary Anterior Cruciate Ligament Reconstruction With Hamstring Tendon Autograft. Grondin J, Crenn V, Gernigon M, et al. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2022;19(14):8245. doi:10.3390/ijerph19148245.

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